Silêncio. O dalai lama está chegando. O auditório do luxuoso centro empresarial de São Paulo pareceu parar no tempo quando a movimentação de seguranças começou a indicar que sua santidade se aproximava.
... Alarme falso. O líder tibetano só chegou mesmo 15 minutos depois. Mas aquele silêncio entre jornalistas tão naturalmente tagarelas foi um bom exemplo da expectativa que gera a presença do Nobel da Paz admirado ao redor do mundo.
O sinal da internet, com o qual eu travava uma batalha virtual no notebook desde que cheguei, uns 40 minutos antes, pareceu registrar a aura nirvânica do monge e pegou no tranco que foi uma beleza. 'Uau. A presença do cara catalisa as ondas do ambiente, que, claro, entendem que devem ser um com o todo e se alinham, fornecendo uma banda larga decente', pensei.
Le(r)do engano, a internet voltou ao 'normal' - ou melhor, não voltou (a lugar nenhum) - em questão de segundos. Mas tudo bem, todos os sinais já indicavam que aquilo seria muito mais uma experiência pessoal que um simples dia de trabalho. Experiência pessoal de jornalista não é notícia (não deveria.!? - escolha sua pontuação); sendo assim, não há pressa em publicar quando o lead inexiste. Nem há por que batalhar contra a internet.
Ele chegou dizendo que estava ali para falar como um entre 7 bilhões de seres humanos. E nos metralhou em sequência com diversas frases que você imagina um monge budista falando no topo de uma escada muito íngreme que leva a um santuário em meio à floresta, mas que fazem muito mais sentido quando ele realmente as fala - mesmo sem escada e sem floresta.
Nada que me desse um lead pra matéria, mas tudo bem. A essa altura eu já havia decretado que estava de altas.
A paz, o amor, as metáforas, os sorrisos de olhos apertados... Enquanto o tradutor, um pouco nervoso de início ao lado da santidade em pessoa, traduzia para o português o que havia sido falado no inglês com forte sotaque, o dalai fazia a alegria dos fotógrafos com poses e caretas. As risadas dos jornalistas eventualmente interrompiam o tradutor, mas... quem se importa?
Dalai lama repetiu uma metáfora que gosta de fazer ilustrando o papel dos repórteres. Devemos ter narizes longos como o de um elefante, para 'cheirar' tudo com cuidado, tanto à frente quanto atrás. Está por fora, tem tanto jornalista que já segue à risca o conselho... Se espelhando no Pinóquio para conseguir o narigão, digo.
Enquanto ele falava, o monge auxiliar ao seu lado fechava os olhos de vez em quando, e o pensamento óbvio era: lá está um monge a meditar. Se era truque para puxar um cochilo ou realmente um exercício meditativo, nunca saberemos. Sei que segue aí uma boa ideia para aquela aula chata na faculdade ou a velha ressaca de sexta-pós-quinta-à-noite no trabalho. Apareça vestido de monge e cole a cabeça no encosto da cadeira, e quem há de duvidar da sua santa meditação?
Mas o monge auxiliar, muito diferente de você dorminhoco ressacado, parecia bem atento a cada palavra proferida pelo dalai. Sempre que sua santidade olhava para a direita com uma angulação maior que 15º, ele assentia com a cabeça, a sabedoria em pessoa. Sério. (Mas eventualmente voltava a meditar.)
Carismático, o Nobel aproveitou um gancho para fazer o merchand de seu novo livro, mas percebeu que a propaganda não foi muito útil ao saber que a publicação ainda sequer foi traduzida para o português. 'O dinheiro de vocês não será gasto, então', disse, com aquele sorriso... Aquele sorriso de Buda.
Perguntado sobre o que é mais importante, se a paz entre os povos ou a vida em harmonia com o meio ambiente, ele deu em questão duns 8 segundos a resposta com mais cara de sabedoria de ermitão possível: 'Você me pergunta o que é mais importante, a comida ou a bebida. Os dois são essenciais'. Segura essa.
Depois de responder a apenas quatro perguntas dos repórteres, escolhidas ao léu pela produção, o dalai olha para o relógio e decreta: 'We have little time. Last question!' Não cheguei a ver o relógio, o movimento foi rápido em meio às longas vestes budistas, mas tive a clara impressão de que ele olhou para o próprio pulso.
Sei que agora me pergunto se ele não estava checando o próprio pulso para saber quantas batidas o coração havia dado desde o nascer do sol e, assim, saber a hora exata. Ok, confesso que minha definição de dalai lama pode eventualmente se confundir com a de Mestre Yoda.
Passada a última pergunta, que infelizmente não foi sobre a veracidade do fim do mundo em 2012, sua santidade resolve fazer o caminho mais difícil dando a volta pela frente da mesa. Eu, que oportunamente estava por ali em busca do gravador encostado na caixa de som, não resisti ao impulso e saquei o celular para uma foto um pouco mais de perto. Virou minha proteção de tela. :D
(mentira, ficou tremida)
Fomos então deixados, nós, os jornalistas, com a incrível tarefa de escrever sobre aquele encontro transcedental de forma objetiva. Admito que me deixei levar um pouco e acabei escrevendo dois parágrafos iniciais com poesia tanta que só se veria em uma notícia sobre pôneis órfãos bebês abandonados na véspera do Natal.
Mas o sábio editor teve a destreza necessária para passar a tesoura e começar o texto dali em diante, a partir do ponto em que meus pés pisaram o chão novamente.
Passados alguns dias, comecei a sentir a obrigação moral de registrar o que haviam sido aqueles diversos minutos de uma sexta-feira na hora do almoço passados jejuando involuntariamente com o Nobel da Paz, um entre 7 bilhões de pessoas neste mundão.