sexta-feira, 23 de abril de 2021

gavetão-arquivo

um dia, comecei a escrever cartas. em papel, mesmo. algumas pra mim mesmo, a maioria; mas também pro meu pai (Ferdinando) pra minha mãe (Graziléia), pra Lê, pra algum amigo, pra uma das cachorras que eu e minhas irmãs tivemos na infância (Sarita!), pro filho ou pra filha que vou ter um dia. inicialmente pro primeiro, mas depois até pro do meio e pro caçula. ou pra.
e fui guardando, arquivando todas elas. algumas eu pensava em entregar, chegava bem perto mesmo. mas o timing ideal passava, ou a empolgação passava, e eu acabava só arquivando mesmo. comprei um gavetão de arquivo depois de uns 4 ou 5 anos disso, quando comecei a entender que essa era de alguma forma uma coleção de retratos que fiz do mundo. do meu mundo, de pessoas queridas. estava ali minha visão sobre algum assunto, naquele ponto da vida, com o conhecimento e a evolução que eu havia acumulado até ali. e que podia e muito provavelmente iria mudar com o tempo.
(faço um parêntese aqui porque me veio o vislumbre de uma conclusão cheia de sabedoria e ensinamentos à humanidade para esta carta. e eu me recuso.)
fiquei pensando que esse arquivão era tipo um plastiquinho de 3x4 onde eu mantinha algumas fotos minhas e da minha família, de tempos atrás. menino metido a sk8r, adolescente cabeludo com colares de roqueirinho, adolescente de moicano recém-aprovado na faculdade, jovem adulto, barba curta, camisa de botão, barba diferente. meu pai com uns 40, minha mãe também, quando começou a deixar de ser a magrela que tinha sido a vida inteira. minhas irmãs, adolescentes. há sentido nessa coleção de retratos só pra mim, eu sei. de tempos em tempos é valioso olhar e lembrar, repensar aquelas épocas, me colocar ali de novo e pensar em coisas que poderia ter feito diferente. não como remoendo arrependimentos, mas assimilando como evoluí de lá pra cá e concluindo que estou num caminho positivo. sinto isso.
talvez deixe esta carta na primeira pasta do arquivo, antes mesmo da letra a. quero lembrar que existe propósito. quero lembrar que, apesar de, ou talvez por conta de tanta mudança por que já passei, continuo com a impressão de que eu gostaria de ser meu amigo em qualquer ponto dessa caminhada. tenho muito a agradecer a mim mesmo por ser uma ótima companhia; às vezes acho que faço isso pouco.

- vai ser legal se um dia eu tiver mesmo esse gavetão-arquivo com esses textos-retratos, com esta carta a mim mesmo de fato escrita em papel abrindo a coleção. vou lembrar que na verdade escrevi isto aqui num app bloco de notas do celular, às 3 e tanto da manhã de uma noite insone carregado daquela ansiedade boa que faz meu cérebro girar 742 engrenagens ao mesmo tempo, em paralelo e conectadamente.